Amazônia
Não conter desmatamento na Amazônia é “suicídio”, alerta especialista brasileiro na ONU
23 de setembro de 2019O cientista Carlos Nobre está na sede das Nações Unidas, onde participa de um dos encontros da Cúpula do Clima
Imagem de área afetada pelo desmatamento na Amazônia — Foto: Raphael Alves/AFP/Arquivo
A Amazônia está se tornando uma savana e não combater completamente o desmatamento "será um suicídio", alertou o cientista brasileiro Carlos Nobre no domingo (22) na ONU, um dos especialistas em florestas tropicais mais respeitados do mundo.
"Há indícios de que o processo de savanização começou" em mais da metade da floresta, disse Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo, em entrevista à AFP na véspera da cúpula climática na ONU.
"Dá para reverter? Acho que dá. Mas se o desmatamento continuar, se não tiver controle, temos um enorme risco de perder boa parte da Amazônia. Seria suicídio", afirmou.
Nobre, 68 anos, disse que a capacidade da Amazônia de absorver carbono ainda é positiva "mas está em declínio".
Ele também disse que a estação seca está ficando mais longa em 60% da Amazônia e que há uma tendência maior na mortalidade de árvores que precisam de mais umidade.
Potência da biodiversidade
"Todos esses fatores são sinais precursores de um ponto de ruptura, por isso é importante alcançar o desmatamento zero. Não vale mais a pena falar sobre desmatamento legal ou ilegal, deve ser zero e uma grande área de floresta deve ser restaurada", opinou.
Segundo dados oficiais, o desmatamento da Amazônia brasileira praticamente dobrou entre janeiro e agosto, passando de 3.336,7 km2 no período de 2018 para 6.404,4 km2 neste ano, o equivalente a 640.000 campos de futebol.
Se a savana chegar a ocupar de 50% a 60% do Brasil, o processo será "irreversível", alertou Nobre no evento "Amazônia Possível", celebrado na ONU a fim de promover um novo modelo de desenvolvimento empresarial que respeite a biodiversidade. Recuperar a floresta levaria séculos ou um milênio.
"É agora que nós precisamos mudar. Não temos mais tempo a perder", advertiu.
Nobre lembrou que dois hectares da Amazônia contêm mais espécies do que em toda a Europa, e que somente uma árvore amazônica tem mais espécies de formigas do que vários países europeus.
"Queremos nos tornar uma potência militar, mas o maior potencial do Brasil é ser uma potência ambiental, da biodiversidade", afirmou.
O Brasil, com 60% da Amazônia, se comprometeu no Acordo de Paris, assinado em 2015, a restaurar 12 milhões de hectares de floresta.
Ecosuicida
Durante o diálogo "Amazônia Possível", dois jovens protestaram quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, discursou.
Os jovens, que usavam lenços no rosto, nos quais se liam as palavras "Eco" e "Suicídio", e acenaram uma placa com a inscrição "Salles", protestaram silenciosamente contra a política ambiental do governo brasileiro, cético em relação às mudanças climáticas e que reverteu várias medidas de proteção. ambiental.
O Brasil tenta convencer o mundo de que a situação na Amazônia está sob controle, mas o desmatamento disparou, assim como os incêndios florestais, gerando a uma crise internacional em agosto.
O secretário-geral da ONU e líderes de países como França, Alemanha, Colômbia, Chile, realizarão uma reunião para discutir a situação na Amazônia na segunda-feira (23), antes do início da cúpula climática da ONU. O presidente Jair Bolsonaro não comparecerá.
O chanceler Ernesto Araújo negou recentemente em Washington a existência de uma emergência climática e disse que alguns países procuram restringir a soberania do Brasil promovendo o "climatismo".
Para Nobre, "a pressão internacional é essencial" para conter o desmatamento. "Rigor com produtos que vêm da Amazônia, não comprar nada que não tenha certificado, tudo isso é importante", frisou.
Nobre ressalta que o governo precisa ter tolerância zero com o desmatamento – que é 90% ilegal-, e que a indústria do agronegócio – também em grande parte responsável ao desmatar para vender madeira, para plantar cultivos ou para o pasto de gado – deve mudar seu modelo econômico.
Nobre ilustra seu argumento com valores. Ele afirma que o cultivo de cacau, açaí e castanha na Amazônia ocupa somente 4.000 km2 e gera 7 bilhões de reais, enquanto a atividade pecuária e o cultivo de soja em cinco estados amazônicos brasileiros ocupa 240.000 km2 e gera 14 bilhões de reais. "Esses números são muito importantes. Esse potencial existe".
"Falta valor agregado, desenvolver, reindustrializar o país", aponta. Para o especialista, as bioindústrias têm o potencial de gerar desenvolvimento econômico respeitando o meio ambiente e tirando milhões de habitantes da Amazônia da pobreza.